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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

A ALFABETIZAÇÃO NA SÍNDROME DE DOWN


Fonte: Reviver Down

Josiane Mayr Bibas
Maria Izabel Valente




A alfabetização de crianças e jovens com SD tem sido cada vez mais observada e concretizada, como resultado de uma expectativa mais elevada e conseqüente maior investimento nesta aprendizagem, e também pelo efeito positivo da inclusão, que está despertando nos educadores a visão da diversidade e o respeito às especificidades de cada aluno, trazendo consigo a busca do caminho de acesso aos diferentes aprendizes.

O processo de aquisição da leitura e escrita em pessoas com a Síndrome de Down (SD) é tema de estudo freqüente e de visões distintas, de acordo com diversos autores. Segundo Martini (1996, pg.125), por exemplo, a linguagem oral deve anteceder a escrita, quando afirma que "o desenvolvimento das competências lingüísticas é preliminar em relação à aprendizagem da escrita". Para este autor, esta aprendizagem necessita de funções básicas: as lingüísticas, que envolvem a consciência fonológica e a associação de fonemas a grafemas, e as viso-perceptivas (reconhecimento dos caracteres que definem cada letra) e práxicas (execução de um projeto motor específico para cada letra), aspectos nos quais a criança com Síndrome de Down frequentemente tem dificuldades.

Buckley (1992, citada em Troncoso, 1988, pg. 64) apóia a tese do uso da leitura como método para ensinar a linguagem oral. Afirma que "a deficiência de memória a curto prazo e a informação que a criança com SD recebe por via auditiva lhe dificultam a compreensão da linguagem falada. As palavras faladas existem durante um breve período, enquanto que as palavras escritas, os símbolos, os desenhos e fotos, podem permanecer todo o tempo que seja necessário".
Muito já se estudou sobre os aspectos cognitivos de crianças com SD que vêm justificar uma eventual dificuldade em sua alfabetização, assim resumidos por Troncoso (1998, pg. 2): comprometimento dos mecanismos de atenção e iniciativa; da conduta e sociabilidade; dos processos de memória; os mecanismos de correlações, análise, cálculo e pensamento abstrato e dos processos de linguagem expressiva e receptiva. Também Oelwein (1995, pg. 46) levanta motivos que explicariam porque algumas crianças com SD apresentam dificuldades para aprender a ler:
fracasso ou medo do fracasso: o uso de métodos não adequados às habilidades ou interesses da criança pode fazer com que a alfabetização se torne uma experiência negativa ou desagradável, da qual o aluno tende a fugir.
a criança pode ter dificuldade para compreender o conceito de ler, não entende o que se espera dela. Pode ser difícil para a criança entender que palavras impressas representam pessoas, lugares, ações, objetos, sentimentos e idéias. Ela pode achar que olhar e descrever figuras é ler.
a criança pode não estar motivada a ler. Não captou o valor a longo termo deste aprendizado, o quanto a habilidade de ler e escrever pode ser útil em sua vida cotidiana.
a criança pode ter distúrbios de visão ou audição que prejudicariam a aquisição da leitura e escrita.
algumas crianças com SD não possuem as ferramentas necessárias para entender as relações simbólicas que permitem a leitura.

Para Troncoso (1998, pg. 69), os jovens com SD hoje, em relação aos de gerações passadas, têm capacidades de leitura que lhes permitem acessar informações escritas em geral, com isso melhorando suas possibilidades de interação pessoal e suas habilidades sociais. Estas são razões suficientes para estabelecermos como objetivo a alfabetização de todas as crianças e jovens com SD. Ela diz: "Será raro aquele que não poderá aprender a ler e escrever - antes de abandonar o ensino da escrita, precisamos estar absolutamente seguros que tenham sido tentados diferentes procedimentos de aprendizagem". Martini (1996, pg. 132) reforça esta idéia ao dizer que a alfabetização de uma criança ou jovem com SD não deve ser apenas uma atividade mecânica e repetitiva, mas sim deve representar um enriquecimento real de sua personalidade. "A escrita é uma forma de suporte para a memória e um modo de transmitir significados; a leitura é um modo de receber significados e informações e é na direção desses valores e objetivos que se devem incrementar as capacidades da criança". Leitura e escrita estariam atuando como importantes ferramentas na construção de um sujeito autônomo.

No que se refere às diferentes perspectivas metodológicas que podem ser empregadas na alfabetização de pessoas com SD, encontramos divergências, mas de maneira geral todas as abordagens procuram respeitar as especificidades que estão presentes no aluno, além de sua síndrome, como idade, personalidade, interesses e capacidades de cada um.

Por um lado temos, por exemplo, Troncoso (1998, pg. 70) que afirma que "pessoas com SD têm a atenção, percepção e a memória visuais como pontos fortes e que se desenvolvem com um trabalho sistemático e bem estruturado. Porém, se verificam dificuldades importantes na percepção e memória auditivas, que com freqüência se agravam por problemas de audição agudos ou crônicos. Por essa razão, a utilização de métodos de aprendizagem que tenham um apoio forte na informação verbal, na audição e interpretação de sons, palavras e frases, não é muito eficaz". Partindo dessa premissa, essa autora desenvolve um trabalho de alfabetização com crianças com SD baseado na aprendizagem perceptivo-discriminativa (associações, seleção, classificação, denominação, generalização), que vai possibilitar-lhes o desenvolvimento de sua organização mental, pensamento lógico, observação e compreensão do ambiente que os rodeia, todos aspectos considerados como pré-requisitos para uma alfabetização eficiente. A leitura e escrita propriamente ditas são trabalhadas partindo da percepção global e reconhecimento de palavras com significados (nome da criança e de seus familiares, objetos do cotidiano) sempre associados a estímulos visuais. Em uma segunda etapa, se desenvolve a aprendizagem de sílabas.

Para Capovilla, entretanto, a alfabetização necessita imperiosamente da consciência fonêmica e do conhecimento da relação fonema-grafema. O método fônico baseia-se na constatação experimental de que crianças com dificuldades de leitura têm dificuldades em discriminar, segmentar e manipular, de forma consciente, os sons da fala. Para este autor, "esta dificuldade pode ser diminuída significativamente com a introdução de atividades explicitas e sistemáticas de consciência fonológica, durante ou mesmo antes da alfabetização". A consciência fonológica, de fundamental importância para a aquisição da escrita e leitura nesta abordagem, refere-se à habilidade de discriminar e manipular segmentos da fala. Essa consciência do sistema sonoro da língua não se desenvolve espontaneamente, e requer experiências específicas para que ocorra, em que se expõe a criança a instruções de correspondência entre letras e sons.
É preciso treinar o ouvido: as rimas, cantigas, brincadeiras com palavras são importantes para que a criança possa associar os sons de sua língua
a letras.

Podemos considerar ainda a abordagem construtivista, que se dá pelo método ideovisual ou global com ênfase no ensino a partir do texto e das palavras inteiras. A criança é levada a levantar hipóteses, partindo de um contexto, sobre as palavras que constituem uma frase ou um texto e, em seguida, a memorizar a forma visual das palavras. Nesse método, supõe-se que a criança passaria diretamente dos traços visuais ao significado do texto "sem passar pelo som".

O método multissensorial (Montessori, 1948) busca combinar diferentes modalidades sensoriais no ensino da linguagem escrita às crianças. Ao usar as modalidades auditiva, visual, cinestésica e tátil, esse método facilita a leitura e a escrita ao estabelecer a conexão entre aspectos visuais (a forma ortográfica da palavra), auditivos (a forma fonológica) e cinestésicos (os movimentos necessários para escrever aquela palavra).

As abordagens utilizadas para alcançar a aprendizagem de leitura e escrita em crianças com SD serão tão diversas quanto diversas são suas características e peculiaridades.

Para complementar, é sempre bom lembrar alguns aspectos que deveriam estar presentes no processo de aprendizagem da leitura e da escrita de qualquer criança:
Motivação: a criança precisa querer aprender, estar comprometida com sua própria aprendizagem. A motivação é resultado de um trabalho de valorização da leitura e da escrita, da curiosidade despertada e permitida de saber mais.
Significado: produções ou reproduções mecânicas de letras, sílabas ou palavras que não traduzam sentido para a criança, que não se baseiem em seus temas de interesse ou não sejam utilizadas para transmitir o que ela tem a dizer, não são motivadores.
Funcionalidade: ler e escrever tem uma função, servem para receber e transmitir mensagens. Dar funcionalidade à alfabetização a torna mais concreta e mais desejada.
Instigar a curiosidade: provocar a aprendizagem, mostrar como é bom saber, aprender, como facilita a vida e permite conseguir o que se quer. Despertar na criança o interesse pelos jogos que envolvam leitura e escrita, deixar bilhetes que contenham mensagens que a criança deseja saber, faz com que ela se mobilize na direção dessa aprendizagem.
Recurso visual associado: a retenção da informação visual é mais eficiente e amplia a possibilidade do lúdico e da atenção. Portanto, facilita a aprendizagem.
Retomada: rever conteúdos aprendidos antes de avançar no processo de aprendizagem tranqüiliza a criança pelo contato com informações dominadas e fortalece o aprendizado do novo.
Dinâmica: deve ser um processo, em constante movimento, atual, com estratégias diferentes, utilizando todos os sentidos para estimular, envolver a criança, levar a pensar, se movimentar e aplicar o que é aprendido.
Respeitar o desenho das letras: a criança que define sozinha o modo de escrever uma letra pode eleger traçados complexos e desnecessários. Aprender o traçado de cada letra vai facilitar o aprendizado da escrita. Não deixar como certo o que está errado, pois a criança percebe quando não é corrigida - só não exigimos competência de quem não acreditamos ser capaz
Caixa alta: o uso da letra de imprensa maiúscula pode ser facilitadora, por exigir traçados com menos curvas e letras separadas que favorecem sua identificação.
Estimular todas as formas de leitura e escrita: ler e escrever não estão ligados apenas a letras e palavras. Podemos ler figuras, rótulos e marcas; podemos escrever símbolos, desenhos e figuras. A recepção e expressão gráficas podem se realizar através de muitas maneiras.
Histórias podem e devem ser contadas e recontadas, não há problema em manter um único interesse por determinado tempo, desde que se criem variações sobre o mesmo tema.
Falar e escrever sobre si mesmo: quando a criança é estimulada a perceber e relatar o que vive, faz interpretação de texto constante na vida.
Envolver a família: a família é um modelo muito importante. Valorizar a leitura, comunicar-se através de bilhetes, presentear com livros e fazer de idas a bibliotecas e livrarias um programa legal, desperta na criança o desejo de compartilhar esse conhecimento.
O aluno é o norte, a referência maior. Ele está interessado? Ele está envolvido? Suas competências estão sendo valorizadas? Ele sabe o seu papel nesse processo de aprender? Ele está aprendendo? É olhando para o aluno que o professor será capaz de buscar a metodologia, as estratégias e os recursos mais eficientes.
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